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‘Podemos construir o maior acordo ambiental do mundo’

Repactuação sobre reparações ao crime da Samarco/Vale-BHP avança com esperança de que, enfim, atingidos sejam ouvidos

Um dia marcante na luta dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP, esta quinta-feira (17) começou com um café da manhã na Praia do Suá, em Vitória, seguido de uma caminhada até a Assembleia Legislativa, onde aconteceu uma audiência pública que faz parte da diligência da Comissão Externa de Acompanhamento e Fiscalização da Repactuação do Acordo Referente ao Rompimento da Barragem de Fundão, da Câmara Federal, junto à Comissão de Cidadania da Ales.
Ricardo Sá

Os atingidos marcaram presença no plenário do legislativo e tiveram participação com falas. O novo acordo, que substituirá aquele que deu origem à controversa Fundação Renova, na qual as empresas criminosas exerciam grande influência, vem sendo discutido em Brasília e também nos territórios impactados.

Após a atividade em Vitória, uma caravana, que conta com presença dos deputados federais Helder Salomão (PT), relator da comissão, e Padre João (PT-MG), seguiu para Conceição da Barra, norte do Estado. No dia seguinte, as visitas serão em São Mateus e Linhares, onde a diligência irá fazer visitas e colher depoimentos de atingidos. Na próxima semana, será em Mariana e Governador Valadares, em Minas Gerais.

Fazer valer a participação e protagonismo de atingidos é um dos maiores desafios colocados, segundo os participantes da audiência. A Renova, criada para conduzir o processo de reparação, “atuou em favor das empresas e não dos atingidos”, pontuou Padre João, lembrando os diversos artifícios protelatórios usados pela entidade, controlada pelas empresas criminosas, para boicotar o próprio acordo.

“Ninguém acreditou de verdade que a privatização de um desastre iria dar certo. Infelizmente foi necessário criar um precedente desse tamanho, envolvendo diversas vidas de pessoas, para a gente ter certeza: não deu certo. Tanto que em Brumadinho [MG] a gente não teve Fundação Renova. A gente precisa que quem praticou os atos ilícitos assuma a sua responsabilidade”, afirmou na tribuna da Assembleia Legislativa a defensora pública estadual Mariana Andrade Sobral, que há anos acompanha o caso.

Presente de forma remota, o presidente da Comissão, deputado Rogério Correia (PT-MG), lembrou as dificuldades de fazer com que os atingidos do Rio Doce tivessem participação nos processos de decisão para auxiliar eles próprios como vítimas. “Agora nesse caso de repactuação, depois de seis anos do crime, temos duas experiências. A da Renova, que não deu certo, e a de Brumadinho, que foi limitada. Queremos uma participação ativa dos atingidos, que eles sejam de fato escutados”, apontou, lembrando também o processo do crime ambiental de Brumadinho, que ocorreu dois anos depois e teve outra forma de condução nos acordos.

Luiz Fernando Bandeira de Mello, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que atua como mediador no novo acordo, se mostra otimista com a construção. “A repactuação deve, no mínimo, buscar restaurar o modo de vida e dar condições dos atingidos se estabelecerem economicamente, terem renda, criarem suas famílias com saúde”, afirmou. Também considerou que muitos ônus pelo crime da Samarco/Vale-BHP acabam recaindo sobre o poder público, como o custo de tratamentos de saúde de atingidos decorrentes do derrame de resíduos tóxicos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). “São despesas por condutas inadequadas do setor privado. É preciso que indenizem os sistemas de saúde e previdenciário”, considera.

Lucas S. Costa/ Ales

Segundo o conselheiro, a expectativa é de que o acordo possa ser formalizado até agosto deste ano, depois de um processo de discussão amplo em Brasília e também em Minas Gerais e Espírito Santo, estados atingidos pelo crime. Um dos desafios é costurar bem o acordo para que, além de bom, seja legítimo, como afirmou Luiz Bandeira de Mello. Ele considera que, para as empresas, o mais importante seria o valor total a ser pago, já que a gestão do recurso seria pública.

A proposta que vem sendo construída prevê que uma parte do recurso seja gerida pela União, outra pelos estados e uma outra parte seja de governança dos próprios atingidos. “Queremos entregar uma repactuação que seja histórica, não só para a região. Possivelmente estaremos construindo o maior acordo ambiental da história, não só do Brasil, mas do mundo”, diz, fala que foi corroborada pelo deputado Helder Salomão.

Porém, num diálogo em torno da repactuação, que envolve vários atores públicos, privados e sociais, uma ausência notável foi do governo estadual, cobrada pela deputada estadual Iriny Lopes (PT), anfitriã na Assembleia, e por representantes de movimentos sociais.

Heider Boza, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), também chamou à responsabilidade o Ministério Público, a nível estadual (MPES) e federal (MPF), que apesar de terem acompanhado a questão ao longo dos anos, não enviaram representação para a audiência pública.

Além dos representantes do poder público, se manifestaram nas audiências defensores de direitos humanos, pescadores atingidos, quilombolas ainda não reconhecidos como atingidos e outros participantes. Heider sintetizou as demandas dos atingidos, indicando pesquisas que mostram perda de 72% das rendas nas comunidades impactadas pelo crime, além do atendimento de menos da metade das solicitações de auxílios feitos por atingidos.

Entre as reivindicações do MAB e outros movimentos, estão a implementação de um programa emergencial de transferência de renda (PTR) mais amplo que o anterior, reconhecendo também mulheres, crianças e jovens, a criação de um fundo próprio gerido pelas comunidades junto às instituições de justiça e a criação de um fundo social para subsidiar iniciativas de retomada produtiva, recuperação socioambiental e socioeconômica, com foco no desenvolvimento territorial das cidades e comunidades atingidas.

Ainda se cobra a aprovação pelo governo do Espírito Santo de uma Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peabe), a contratação de assistências técnicas independentes para avaliar os impactos do crime nas comunidades, o fim de acordos de quitação final, já que os impactos seguem acontecendo, como por exemplo nos momentos de enchentes em que os rejeitos tóxicos voltam a atingir comunidades. Também consta nas exigências a criação de um fundo estadual independente para ações diversas, nos quais haja participação de atingidos e da sociedade em geral.

Durante a audiência, foi ressaltado o lucro de mais de R$ 121 bilhões da Vale em 2021, o que faz com que a empresa tenha condições de arcar com despesas para reparar a situação criada por ela. Mas hoje, reclamou Wesley Scooby, representante do Sindicato dos Ferroviários do Espírito Santo e Minas Gerais (Sindfer), o bolso dos acionistas continua cheio, enquanto a empresa terceiriza serviços e precariza trabalhadores para suprir os embolsos que faz por conta do crime cometido.

Outra informação importante é sobre a tramitação do projeto que determina a Política Nacional de Direitos das Populações atingidas por Barragens, que está desde 2019 no Senado Federal, mas, com os últimos acordos, seria encaminhada para a Comissão de Meio Ambiente na próxima semana, podendo ir a votação plenário da Casa nas próximas semanas.

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